Hoje, dia 26 de agosto de 2018, faz 2 anos que pisei pela primeira vez em Portugal. Aquela menina que chegou aqui já mudou bastante e passou por muitas situações que a construíram quem é hoje. Mas, se pudesse escrever uma carta para aquela pessoa, o que será que eu diria hoje? Isso tem feito a minha cabeça nos últimos dias e acho que quis compartilhar com vocês. 

Ao contrário da maioria das pessoas, eu não estava vendo Portugal enquanto o Eldorado e a solução de todos os meus problemas. Vinha fazendo terapia, dentre outras coisas, para tentar me preparar para o desconhecido e o meu terapeuta tinha me indicado ler Fernão Capelo Gaivota. Neste livro, havia uma citação que dizia “escolhemos nosso próximo mundo por meio do que aprendemos neste aqui. Nada aprenda e o próximo mundo será como este, com todas as mesmas limitações e pesos de chumbo para superar”. E assim aprendi: não adianta mudar de continente, separar-se por um oceano dos seus amados e partir rumo ao desconhecido se, consigo, você carregar os seus pesos, seus problemas e inseguranças. Tente fazer diferente, enfrente seus medos, transpasse os obstáculos e, se ainda não consegue, seja paciente consigo mesmo(a).

Eu saí de uma fase de extrema ansiedade, em que coisas simples como atravessar a rua ou sair com os amigos me davam palpitações e faziam as minhas mãos suarem – para não dizer outras coisas. Estava lendo um dia desses um livro da Tati Bernardi que se chama Depois a Louca sou Eu e lá ela fala sobre algumas crises de ansiedade e problemas do gênero que sofria (parte de mim inclusive gostou muito do livro, enquanto outra parte parece reviver, pelo ritmo acelerado de pensamentos simultâneos, uma crise de ansiedade ao lê-lo). Ela fala sobre ir, aos poucos, enfrentando os medos até que um dia não haverá os antigos monstros. É fácil? Não. Muitas vezes, os florais são os nossos maiores incentivadores ainda cedo na manhã. Mas hoje eu entendo que é extremamente necessário enfrentar os nossos medos até para mostrarmos para nós mesmas que somos possíveis. Mas passemos à carta, não é?

Cara Camila,

Você vai chegar hoje, ainda acompanhada dos seus pais por algum tempo mas, logo no seu primeiro dia sozinha, um dia após o seu aniversário, escreverá um texto, sentada num dos seus lugares favoritos da cidade, enquanto enxerga uma das vistas que mais te encantam, sem acreditar que está ali. Seus olhos vão encher de lágrimas e suas primeiras palavras escritas serão “sim, agora realmente começou!”… Quão difícil foi dar tchau aos seus pais ainda naquele dia, não foi? Eu me lembro muito bem, mas acalma esse coração que tudo passa. Não existe distância para o amor verdadeiro.

Te digo hoje que você passará por muitas coisas boas e muitas coisas ruins, mas acho que isso você já sabe, porque entrou para a brincadeira de cabeça e convicta de que ou é mudar, ou é mudar. Dentre as ruins, a distância da família e dos amigos; perderá um ente querido e verá alguém que ama sofrer muito, mas não poderá fazer nada além de usar suas palavras para confortá-la; sofrerá nas mãos dos outros (inclusive os mais próximos); verá aproximação por interesse; vai viver um roubo que vai te deixar grandes marcas; passará por mais assédios na rua do que jamais teve; perceberá situações em que achava que já tinha vivido e tinham ficado no seu passado; vai ter muitos pepinos do apartamento para resolver sozinha; vai querer desistir do blog algumas várias vezes; vai querer desistir do mestrado algumas várias vezes por não se encaixar; vai produzir tantas lágrimas que muitas vezes vai descobrir o quanto que o teu rosto pode inchar no dia seguinte ou o quanto que não conseguirá respirar ou dormir durante a noite… bom, você entendeu, as coisas ruins nunca são fáceis.

Do lado bom, vai conhecer muitos lugares; vai amadurecer seus posicionamentos; vai acreditar que encontrou o amor – e talvez isso se repita algumas vezes; vai ler dos leitores do seu blog que agora eles estão na cidade ou estão se mudando e isso se deve porque você teve paciência e muito carinho para respondê-los; conhecerá campos incríveis de girassóis; vai chorar de felicidade sozinha no avião ou no ônibus por estar fazendo coisas que antes não seriam imagináveis; vai pisar em países que os seus pais e a maioria dos seus familiares nunca teve a chance de ir; vai falar inglês até que ele passe da ansiedade para a normalidade; fará entrevistas de emprego em inglês (what?); vai aprender que estar sozinha não é sinônimo de solidão e que o auto-conhecimento vem muito nesses momentos; vai se desafiar todos os dias no yoga para sua satisfação pessoal (e com ele também vai aprender que o seu tempo não tem nada a ver com o tempo dos outros e está tudo bem); vai ter uma exposição e tantas outras coisas lindas que eu não quero te contar para que você as aproveite ao máximo apenas consigo mesma.

O que é mais importante disso tudo é que você, depois de passar por todas elas, vai começar a aprender a agradecer pelas coisas boas e pelas coisas ruins. Durante o processo você vai se questionar, vai querer desistir, não vai entender porque estas coisas estão acontecendo com você, mas, tudo passa. É clichê e tem razão para ser, porque é verdade. É importante também que você perceba que todos estão na mesma luta que você, tentando alçar seus próprios voos com intencionalidades diferentes: uns querem voar mais rápido, outros querem ser o que melhor voa, outros ainda preferem apenas voar e para eles já está ótimo.

Acreditem ou não, essa frase me pôs a refletir e me fez chegar a agir para mudar a minha realidade…

Agora você já está no fim do seu mestrado… lembra como foi difícil para você admitir que você o faria? Largar as ideias mirabolantes de concurso público de Brasília e partir rumo ao desafiador desconhecido. Pois é, quem diria que passaria por tantas experiências, aventuras e, ainda assim, conseguiria fazer o que veio fazer até o final. Bom, não é o final, mas tá quase! E, olha, sobre a próxima fase pós-mestrado, nem eu sei te dizer, acho que teremos que descobrir juntas…

Queria ainda te ressaltar que acredite no seu coração-bússola, porque ele, enquanto sua intuição, vai te guiar em muitas das vezes que você estiver perdida e acreditar que os outros sabem mais sobre a situação do que você. Infelizmente (ou felizmente), não tem ninguém que saiba melhor de uma situação para você do que você mesma e ter esse diálogo consigo mesma é imprescindível. Sei que você vai tentar adiar isso, afinal de contas, os outros sempre sabem o melhor para você não é? Pois é, não. Mas não precisa ter pressa, as situações vão acontecer e você, naturalmente, vai começar a perceber que talvez ouvir o seu interior te traga mais paz do que a frustração que você sente ao ouvir os outros. Mas ainda te indico que, não por insegurança, cheque com alguns dos seus amigos-fiéis-escudeiros sobre aquela situação – é que às vezes a gente entra tanto na gente mesmo que acaba por não escutar mais nada e, o que era para ser saudável, vira um problemão.

Ah! Uma última coisa! Já ia me esquecendo! Hoje aprendi, de uma vez por todas, que não precisa pedir para ninguém ficar contigo. Não tem problema ser quem você é, sem retoques, realmente mostrando as suas fragilidades. Essa é você. E se a pessoa ameaça ir embora ou manifesta a intenção de não querer estar com você, respira fundo, você pode estar em mil pedaços por dentro e toda ranhosa por fora, mas você vai deixá-la ir. Quem quer estar com você, estará contigo do jeito que és, sem tirar nem por. Entenderá as suas fragilidades, as respeitarás e tentará construir contigo uma melhor versão de vocês, sejam amigos ou outros tipos de relacionamentos quaisquer. Ajustes sempre são necessários uma vez que busca-se melhorar quem é, mas não são eles que farão com que uma pessoa desista de você. E até parece que eu falando assim estou super bem resolvida, né? Não, minha flor, só estou um pouquinho mais machucada e consigo perceber isso com maior claridade.

Você é um passarinho que voa e cai, mas persiste, se levanta, acredita e traça um novo voo. Até que, enquanto está voando, te jogam uma pedrinha. E você cai. Desnorteada, toma forças para voar novamente. Pousa no ninho e vai aprendendo a dosar o quanto deve abrir as asas para que o voo seja mais adequado ao que se deseja. Por vezes, num desses voos, você se machuca tanto que tem a sorte de algumas pessoas te pegarem no colo e cuidarem de você durante a sua recuperação porque simplesmente gostam de você para querer que alce os melhores voos da sua vida. O mais importante é acreditar. É entregar. É confiar. E é isso que eu tenho tentado todos os dias.

Trecho do livro Descomplica, da Sofia Castro Fernandes

E agora, o que será que o destino nos reserva (PS: antes que perguntem, não estou de mudança… haha)? Bom, o que quer que seja, espero poder contar com a companhia de vocês, seguimores! Às vezes, fico pensando se gostariam de indicações de leituras ou locais para encontrarem alguns textinhos que possam ajudar vocês emocionalmente nesse processo todo. Comentem, se tiverem interesse 😀

O que acharam desse texto? Espero que possa ter te ajudado com algumas das suas questões. Por vezes, colocar para fora, ainda que não seja da melhor forma ou nos seus dias mais inspirados, pode ser a melhor coisa que você faz 🙂

Gostaria que eu fizesse um balanço da vida mais prática durante estes 2 anos? Fala nos comentários! 🙂