Você leu a parte 01 do nosso especial meu filho vai pra escola e ficou intrigado para saber sobre a parte 02? Pois cá está ela, queridos papais e mamães! Como dissemos, nesta série de postagens, buscamos trazer relatos de pais que vieram para Portugal com os seus filhos e se depararam com um mundo de possibilidades, de desafios e questionamentos. Pensando que sempre podem ter outras pessoas na mesma situação, resolvemos compartilhar as suas histórias aqui para vocês. Então nos acompanha em mais um post deste especial e aproveita para anotar todas as dicas!
É importante que os papais que venham para cá estejam preparados para a batalha da reunião da documentação. Ô etapa que arranca os cabelos de qualquer pessoa: junta histórico aqui, apostila acolá … XENTI, para! HAHAHHAHA Vamos com calma. Para estas questões e para outras tantas que você precisa saber, convidamos estes leitores/amigos para relatarem suas experiências.
Vamos destacar aqui que todos os relatos, nomes e fotografias foram devidamente autorizados pelos entrevistados 😉
AutisTando pelo mundo: Uma experiência partilhada
Isabela Rodrigues é nossa leitora e amiga e veio para o Porto por conta do seu Doutorado. Isabela faz Doutoramento em Educação Artística na FBAUP. Ela tem dois filhos: o Davi e a Bárbara. O Davi é portador do Espectro Autista e a Isabela não mede esforços para a adaptação do filho. Como ela mesmo nos contou, essa é a história do Davi Vigarista e sua Mãe Maluquete!! Conversamos com ela e pedimos que contasse um pouquinho para nós sobre o processo de escolha da Escola, adaptação e burocracias que precisou ter para o Davi.
Como foi o processo de vinda para o Porto?
Em junho de 2015, recebi a resposta tão aguardada: a Bolsa de Doutorado Pleno no Exterior pela Capes para estudar na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto em Portugal. Na época, morávamos em Brasília, eu era professora universitária, Davi estudava numa escola pública acompanhado no Ensino Especial pela experiente professora Susana, que conhece muito sobre o ensino especial e o conceito do educar com regras, mas, acima de tudo, com ternura e amor. Junto também estava a professora Márcia, com sua paciência e amorosidade, formavam uma dupla dinâmica! Tudo corria bem, porém, esta minha mania de ser transeunte (não foi a primeira mudança), de novo, levou-me a novos desafios… Afff e AGOORAA?! Agora é hora de correr atrás de documentos, conversar com Davi sobre a mudança e navegar rumo ao desconhecido. Cheguei em agosto de 2015 com três malas, Davi e vários laudos embaixo do braço. Sim, laudos e mais laudos, pois Davi é portador de Espectro Autista.
O que é importante NÃO esquecer nesse processo?
Não se esqueçam mamães, papais e cuidadores: quando vierem a Portugal, assim como acredito que em qualquer lugar do mundo, os relatórios escolares emitidos pelos professores e terapeutas da antiga escola, bem como laudos do psiquiatra, psicólogo, terapeuta da fala e terapeuta ocupacional e os medicamentos que seu filho toma, são informações extremamente importantes para um escola adequada a seu filho especial.
Como foi o processo da escolha da Escola?
Tinha reservado um Hostel no Porto para ficar uma semana. Muito louca eu nem sequer tinha casa para morar muito menos escola para o Davi, pois tinha pesquisado como funcionava o sistema de educação em Portugal e verifiquei que as matrículas são feitas a partir do local onde você reside. Pois bem, ainda não tinha casa para morar, como iria matricular meu filho? Resolvi, então, correr atrás de escola quando chegasse no Porto. Boa sacada, Isabela, e assim fez-se a luz! Cheguei ao Porto e a primeira providência foi procurar a Direção de Ensino do Norte. Ao chegar, comuniquei a situação e fui encaminhada para os técnicos do ensino especial. QUE MARAVILHA! Fomos muito bem recebidos, mas claro, logo de cara perguntaram onde eu residia e eu, com mais “cara de tacho” ainda, informei que ainda não tínhamos endereço fixo, ahahahaha, que VERGOONHAA! Entenderam a situação e começou a busca por uma escola que tivesse o ensino especial para acompanhar o Davi, e assim foi… escola encontrada! Esta preenchia todos os requisitos, desde a parte pedagógica até o espaço físico para recebê-lo, quando digo espaço físico é por um simples detalhe, Davi é ESCAPISTA, adora fugir dos lugares principalmente da escola…afff quantos sustos já passei com este menino vadio (homenagem ao livro Menino Vadio de Luiz Fernando Vianna). Eles me passaram o endereço e fui com ele até a Escola Básica Fernão Magalhães, encontrei uma equipe de professores prontos para recebê-lo. Lembrando que o Davi é alfabetizado, porém com todas as dificuldades que uma pessoa com autismo possui: estereotipias, dificuldades na socialização, problemas comportamentais, fugas dos espaços seguros, déficit de atenção, entre outros. O ano letivo iniciou e logo de cara começaram os problemas, claro, kkkk…juntos somamos esforços (escola e família) para minimizar as dificuldades do Davi nesse momento de mudanças na vida dele. Imaginem o quanto é difícil para um pré-adolescente com autismo mudar para uma escola nova, um país novo e uma vida completamente diferente da qual ele conhecia… Não é fácil não. Passamos por muitas barras, mas em outro momento conto estas histórias…
No Ensino Básico, algumas Escolas oferecem apenas até o 4º ano. A Escola que o Davi estudava funcionava assim, como vocês buscaram outra instituição?
Hoje, o Davi está no 5º ano, foi outro momento de dificuldade, pois ele já tinha estabelecido vínculos emocionais com a equipe de Professores da Escola Básica Fernão Magalhães, o Professor Rui, um lutador incansável; Professora Olga, chamada carinhosamente pelo Davi de Xerife; e Professora Maria do Céu, sua doçura e sensibilidade sempre foram um refúgio para o Davi nas horas de conflito. Obrigada, queridos parceiros, vocês estarão para sempre em nossos relicários de luz e memórias afetivas! Esses três resistentes professores “arregaçaram as mangas” e juntos fomos atrás de uma escola de 5º ano para o Davi, pois a Fernão Magalhães vai até o 4º ano, e mais uma vez a luta iniciou. Encontramos a Escola de 1º e 2º Ciclo Gomes Teixeira, que tem a Unidade Estruturada para Autistas. Os professores do 4º ano do Davi elaboram um relatório e enviaram a escola nova. Num primeiro momento encontramos algumas dificuldades, pois como citei anteriormente, Davi é fugitivo e a escola Gomes Teixeira não tem um ambiente seguro por ser uma escola antiga e muito grande, mas os cuidados da Equipe de Professores, Assistentes e Terapeutas superam este problema.
Como funciona o acompanhamento do Davi?
Hoje, Davi é acompanhado na Unidade e também frequenta as aulas regulares acompanhado por estes profissionais tão competentes. Eles se revezam para estar com o Davi nas aulas regulares do 5º ano, e não é nada fácil, pois eles têm um grupo de autistas que são, em sua grande maioria, severos e muitos sem oratória. As professora Anabela, Silvia e Marta, bem como as assistentes Cecília e Fernanda são resistentes e ativistas na luta pela inclusão – meu filho não poderia ter melhor grupo. Hoje, Davi está ambientado e se sente confortável nesse espaço escolar, com certeza graças a estas bravas professores e assistentes. Claro que no início foi tudo muito difícil, pois o novo se iniciava para o Davi.
O sistema de Educação Português para Inclusão funciona bem?
O sistema de Educação Português para Inclusão funciona bem, mas claro que os pais precisam de fôlego e disposição para enfrentar essa luta… bem eu sei, a Direção de Ensino do Norte com certeza não quer me ver lá tão cedo, rsrsrsrsrs!! O interessante de tudo isso, é correr atrás do direito da criança especial, seja aqui ou em qualquer lugar do mundo. Este direito é universal e sem fronteiras, hoje meu filho tem todo o acompanhamento na Unidade Especial para Autista, é acompanhado por uma equipe preparada e dinâmica, faz acompanhamento terapêutico como psicologia da fala e ocupacional e ainda tem o direito de transporte para levá-lo à escola, um táxi que vem todos os dias (Sr. Florêncio, que é paciente).
Muitas pessoas tem medo do preconceito, vocês sentiram alguma reação a respeito?
Muitos perguntam sobre o preconceito, digo: em nenhum momento encontramos preconceito no sistema educativo por ele ser brasileiro e autista. Pelo contrário, Davi tem os mesmos direitos dos portadores de espectro autistas portugueses previstos em legislação, como: terapias, transporte, alimentação gratuita na escola, apoios pedagógicos, saúde, entre outros. Mas claro, os pais precisam estar atentos a esses direitos para poderem reclamá-los. Como disse anteriormente, é preciso fôlego! Davi continuará na Unidade Estruturada para Autistas na Escola Gomes Teixeira no ano letivo de 2017/2018, com toda a estrutura física e pedagógica dos profissionais desse espaço educativo, um salve a essa equipe multidisciplinar, professores, assistentes e terapeutas, que nos amparam nas horas de aflição. Força Pais e Cuidadores, estamos juntos!
Por fim, é importante ressaltar o que a Isabela nos disse:
Esta é a minha experiência, falo por mim, sei que no Brasil como em Portugal, muitas escolas ainda não estão preparadas para receber as crianças especiais, mas acredito que este cenário esteja mudando, porque as políticas públicas para educação no contexto especial, seja em Portugal ou no Brasil, é legitimada através da luta ativa dos pais, professores e profissionais terapêuticos. Sem esta força motriz, nossos filhos não teriam legislações que preveem direitos a inclusão das crianças especiais nos espaços educativos regulares.