Conhecer novas pessoas, novas culturas, novos idiomas. Crescer como o ser humano que você busca ser, agregar à sua cultura todo aquele turbilhão de sensações e experiências que virão. Perceber o tempo em anos, quando na verdade passaram meses ou semanas. A avalanche chamada intercâmbio não é fácil e realmente aqueles que se arriscam nunca voltam iguais. Não tem como.
Estou aqui no Porto há quase 1 ano. Um fato curioso sobre esse post é que comecei a fazê-lo quando estava no 3º mês aqui na cidade e nossa, quanta coisa mudou desde então. No dia 26 de agosto, faço exatamente 1 ano. E eu entendi, nesse período e por essa amostra nada grátis, que a Camila que eu conhecia deu lugar a uma nova. Talvez mais próxima daquela que quero construir. Claro que não tem nada como construir as próprias memórias, vivenciá-las e consequentemente aprender com os ditos erros e acertos, mas eu vou adiantar aqui alguns tópicos que acho interessante serem abordados para que você não pense que todas as coisas são mar de rosas.
1. Nem tudo vai dar certo
Acredite, meu caro e minha cara, nem tudo dará certo. Nossa, mas que clichê. Todo mundo sabe disso, né. Não. Quando eu digo que nem tudo vai dar certo é porque vão ter momentos em que absolutamente tudo vai dar errado e você vai querer desistir. Assim como no lugar onde você vive, existem aqueles dias em que era melhor não ter saído da cama. A máquina de lavar louça vai quebrar, você vai torcer um pé, o vento vai bater contrário e sua sombrinha vai quebrar. O importante destas situações e começar a abstrair os problemas e pensar que você vai resolver aquilo da melhor maneira que dá naquela hora.
Eu sempre fui uma pessoa muito ansiosa e aos poucos tenho descobrido que isso não leva a nada. Todos os dias as situações se mostram tão adversas e inesperadas que a ansiedade deu lugar à curiosidade pelo novo. O medo até de falar inglês deu lugar ao ter que falar inglês nas situações mais inusitadas. Ué Camila, falar inglês assim em Portugal? Sim, querido, nem eu achava que ia ter tanto inglês para falar. Já na primeira saída com um amigo do mestrado que mal tinha conhecido, ele já levou uma amiga alemã e aí foi. Fiquei meio nervosa no começo, mas depois consegui me desprender.
Para quem não sabe, até roubada dentro da minha casa eu fui durante esse período (isso aconteceu depois dos 3 meses e portanto não estava no post original). A gente se ilude com uma falsa sensação de segurança e de que tudo está bem melhor agora que você saiu do Brasil-violento-arcaico e veio para uma Europa-educada-primeiro-mundo, mas não é bem assim não. Você deve ignorar todas as pessoas que dizem que você é paranóico(a) e seguir os seus instintos. Proteja as suas coisas e sua casa: o seguro morreu de velho.
2. Pack Lighter, go Further
“Faça uma mochila mais leve e vá mais longe” (tradução livre minha, porque é difícil de traduzir direitinho as palavras e o sentido). Se teve algo que aprendi, fosse com a RyanAir, com a experiência do assalto ou com a minha viagem para uma cidadezinha pequena da Itália é: a vida é simples. Pare de se apegar às coisas que são passageiras e passe a viver mais. Se tem uma coisa que a RyanAir me ensinou indiretamente, é que eu realmente não preciso de quase nada para passar 1 mês fora de casa. Sei que essa afirmação parece surreal para aqueles que não conseguem se desapegar e levar malas mais leves, mas acredite. A qualidade da sua viagem vai melhorar e muito.
Ainda para mim que estava acostumada a levar pouca coisa descobri uma “filosofia de vida” ainda mais radical nesta última viagem que fiz. Essa “filosofia” se chama EasyJet. Na EasyJet, é ainda pior do que a Ryan Air. Só é permitido a você 1 mala. Nada mais. Claro que muita gente (eu também) dá o seu jeitinho para levar uma bolsa extra, mas mochila cheia como na Ryan Air é mais difícil de passar. Então essa vida de viajante literalmente mochileira, descobri que não preciso de quase nada para viver. Carrego comigo experiências e pessoas, mas nem tanto coisas. Porque às vezes, você luta anos para juntar migalhas e conquistar coisas que simplesmente um dia podem ser carregadas todas de uma vez por alguém que talvez também estivesse passando por momentos difíceis, mas que não tem ciência da importância daquilo para você. Desde então eu penso:: invista majoritariamente em experiências, isso ninguém pode te roubar.
3. Abrace o novo
O que eu já conheci de brasileiros nesses poucos meses que se mantém agarrados na cultura, que só saem com outros brasileiros e que realmente parecem ter uma dificuldade tremenda de se desprender disso para fazer amigos locais não dá para contar nos dedos das mãos. Gosto de pensar que aprendemos com os outros, levamos eles conosco e, ao mesmo tempo, eles nos carregam; e nessa miscelânea toda vamos nos construindo como indivíduos participantes de um coletivo. Assim sendo, amo conversar com pessoas de outras nacionalidades, ainda que o meu inglês seja macarrônico e que eu não saiba muito bem todas as expressões portuguesas. Nessa brincadeira, ganhei uma grande amiga italiana, conheci outras pessoas de Moçambique e gente de vários cantos de Portugal. E não tem preço essa sensação de descoberta cultural.
Claro que não tenho nada contra as pessoas que decidem manter as suas amizades próximas de onde veio, ainda mais porque muitos deles pensam em voltar e como uma experiência curta. Mas, para mim (que fique claro), o intercâmbio tem esse nome para que haja uma troca cultural em que você se coloca no lugar da alteridade (desse outro estranho de uma cultura diferente) e infelizmente essa cultura, para que seja entendida ou apreendida e internalizada de alguma forma, deve ultrapassar a barreira de superficialidade de ter uma colega portuguesa na turma ou apenas saber que eles fazem x ou y. Envolva-se, abrace o diferente, não tenha medo. No máximo, você não vai gostar e simplesmente vai reforçar as suas preferências culturais.
4. Família, sobrenome saudade
Para além da saudade da mulher que te deu a vida, aquela que te dá colo e que é o seu porto seguro, ela costuma ser aquela mulher forte, impenetrável, que todos os problemas não são páreo. E você se vê sem aquela figura que te dá o suporte, o carinho, a comida e a roupa lavada (em muitos dos casos). E agora? Agora, amigos, vocês têm que viver sozinho e começa a perceber que todos aqueles planos que fez antes de sair do Brasil como “ser o destaque do mestrado”, “tirar muitas fotos o tempo todo”, “viajar o tempo todo”, “party hard”, “aprender mil idiomas” começam a dar lugar aos “miga, não posso, tenho que lavar roupa”, “amanhã preciso fazer compras” ou “eita, esqueci de fazer a transferência e estou sem dinheiro para comer”. Independentemente de você ser independente (risos dessa frase), quando a situação aperta, normalmente nós queremos correr para os braços dos nossos pais e pedir socorro, né? Mas como fazer isso se você também viajou para buscar a sua independência, você mesmo ou um futuro melhor e diferente? Meio difícil né.
Só fique ciente de que sim, pode ser na primeira semana, com 3 meses ou com 1 ano de intercâmbio, mas você vai sentir falta daquelas pessoas que faziam você se sentir querida e que te davam suporte. Família de sangue ou família escolhida. Seja por saudade de um abraço, de deitar no colo ou de beijar alguém… esse aperto no peito vai bater. Pense aí, você estava com tudo consolidado: tinha um trabalho ou faculdade, seus amigos, já tinha dado tchau para as mean girls, sabia muito bem quem eram os boys lixos, tinha seu restaurante favorito e amava a comida x que algum parente seu fazia. Puft! Tudo sumiu. Do nada, você está tendo que se redescobrir ao mesmo tempo em que descobre todo esse universo de coisas que se abre para si. Sim, isso é extremamente maravilhoso, mas também é desafiador e exige coragem até mesmo daqueles que não são tão apegados à família ou amigos.
5. Ruínas abrem caminhos para transformações
Coincidentemente resolvi retomar esse post depois de assistir alguns filmes sobre jornadas pessoais em busca de si. Depois de muitas lágrimas derramadas e alguns filmes assistidos, cheguei ao Comer, Rezar e Amar. Nesse filme, para quem não sabe, ela passa por Roma (onde acabei de estar), pela Índia e por Bali. Quando ela está em Roma, acaba por fazer ponderações entre a sua vida amorosa e o estado da cidade. Eis que ela solta esta frase que é título deste item.
Tem situações que nos deixam realmente em ruínas, destruídos, esmigalhados. A gente perde mesmo o senso do bom e ruim, fica apático e não tem vontade de fazer nada. Nada faz sentido e você tá apenas seguindo o baile. Pode ser que nesse caminho você se apegue em prazeres não muito saudáveis para continuar: aumente o nível de alcoolismo, desconte em mais comidas, gaste mais em roupas, comece a fumar ou usar drogas. Sim, é possível. Mas depois que essa fase passar, você mesmo vai perceber o quanto mudou, quantas atitudes importantes tomou e como está diferente. Ninguém disse que o processo seria bonito e mesmo assim você está passando ou passou por ele de uma forma que te deu esse resultado fantástico.
A frase que eu digo aqui em casa e que minhas amigas estão cansadas de saber é que, em um intercâmbio, todo dia é um 7 a 1 diferente. E é bem isso. Você pode acordar pleníssima de um belo descanso, pisar no chão e ver tudo inundado porque mora no rés-de-chão (térreo) e o bueiro voltou a água; pode estar super bem e descobrir que a conta de energia subiu assustadoramente porque a bomba de água quebrou alguma peça interna e você não sabia; pode descobrir que a sua senhoria, ao invés de ser aquele cordeirinho lindo que te convenceu a entrar lá, na verdade é um lobo; pode ser assediada na rua por um velho nojento ou ser seguida por um deles. Enfim, experiências. Neste caso, nada boas. Mas que sim, vão te ensinar a ter que lidar com elas e que você vai lidar. Situações serão jogadas no seu colo, como uma batata quente, e você vai ter que raciocinar como resolvê-las. A única coisa que peço e que eu mesma deveria seguir: não seja dura com você mesmo quando você reagir de uma forma ou de outra. Não importa o que era a forma certa para reagir, importa como você reagiu e como aquela ação resolveu a situação para você naquele momento. Vamos ser menos rigorosas com nós mesmos(as)?
Para além de um post que parece motivacional, apenas queria dizer que não é exatamente só flores morar fora, deixar a casa dos pais, seguir em busca de sonhos e ainda tentar se encontrar em todo esse processo. Mas também não é nada impossível. Só é impossível se a gente ficar no sofá de casa na nossa cidade de origem pedindo para as coisas mudarem e não fazer absolutamente nada sobre isso. Como diria o Teatro Mágico, Milagres acontecem quando a gente vai à luta.