Desde que eu cheguei ao Porto eu acompanho o universo da Joana Estrela. Na verdade, o meu primeiro contato com a FBAUP, ainda na semana de recepção dos calouros, já foi com direito à conversa com ilustradores dentre os quais estavam ela e suas obras. Se você não conhece ainda os trabalhos da Joana, tá perdendo tempo. Vem conhecer que eu garanto que você, periquito e papagaio vão se apaixonar.
Hoje vou começar uma série de posts despretenciosos e bem informais em que entrevisto algumas ilustradoras que têm um trabalho interessante de serem divulgados. Aproveito também para divulgar alguns projetos que já fazem isso com maestria que são: Women Who Draw, a plataforma Piscina e o projeto Curadoria.
A Joana, um tipo de Rainha do Norte, é aquela pessoa que não se precisa fazer Propaganda, sabe? É uma Mana que traduz para o papel os seus desenhos em lápis de carvão e de cor toda uma riqueza gráfica. Envolvendo a velhice que ela diz aparentar ter para fazer ilustrações para novelos de lã, levantando ou promovendo questões de gênero como em Os Vestidos do Tiago, ou levando a gente para conhecer o Porto em um mapa com seus cantinhos para favoritos para chorar, Joana sempre nos surpreende com problematizações e uma ironia que muito acrescenta aos seus desenhos e histórias. Agora bora pra essa entrevista logo porque até eu tô morrendo de curiosidade!
Reprodução
Só para que você tenha um background da Joana, ela nasceu em Penafiel em 1990 (#revelacoes) e, em 2012, graduou-se em Design de Comunicação na FBAUP. Atualmente, mora no Porto e tem 3 dos seus livros publicados por editoras e cerca de 5 zines auto-publicadas – todos MUITO BONS, confiem em mim. Mas nesse meio tempo, ela fez um intercâmbio para a Lituânia, onde trabalhou voluntariamente na associação LGL (Lithuanian Gay League), onde organizavam um projeto principal (Baltic Pride) e outros eventos menores voltados à comunidade local, como oficinas, sessões de poesia, sessões de cinema. E foi sobre esse período em que viveu na Lituânia (entre 2012 e 2013) que se desenvolveu a história do Propaganda, o seu livro em formato de quadrinhos (banda desenhada – ou bd -, como se diz por aqui).
Reprodução LGL
Eu tive a impressão de que o período que a Joana passou na Lituânia foi bem marcante para ela e que a fez tomar posicionamentos mais engajados nas suas obras, então logo perguntei para ela qual a relevância deste período para as suas ilustrações e histórias, ao qual ela respondeu
Acho que ajudou principalmente a ganhar alguma confiança. Não tanto no meu trabalho artístico mas mais na minha capacidade de meter mãos à obra e organizar eventos e trabalhar com outras pessoas. Acho que estar longe de tudo fez-me sentir menos medo de falhar: se as coisas corressem mal ninguém me conhecia e não.
Depois de ouvir o que a Joana tinha a dizer sobre as suas experiências e crescimento pessoal na Lituânia, eu já fui perguntando: quando foi que você percebeu que iria do Design para a ilustração e vice-versa?
Fui tirar a licenciatura de Design de Comunicação porque me pareceu muito variada. Tinha cadeiras de desenho, fotografia, vídeo… e optativas muito diversas, que iam da animação à cerâmica. Eu não sabia o que queria fazer e achei que ia ser bom experimentar um bocadinho de tudo.
Quando saí da faculdade não estava a encontrar trabalho na área do design, e com o passar do tempo meu portfolio foi ficando cada vez mais preenchido pelos projectos que eu fazia por mim própria, em casa, que eram mais de ilustração e desenho.
Ah, mas ela faz um pouquinho de tudo mesmo. A Joana chegou até a ensinar à gente o seu processo de tratamento de imagem do papel para o computador em um tutorial bem legal para quem ilustra e quer se aventurar na digitalização dos desenhos sem ter muita noção de Photoshop.
Acredito que, assim como eu, alguns designers se perguntam: em que momento será que aquela pessoa parou e percebeu “opa! Acho que isso está dando muito certo, pode realmente ser a minha profissão”? Ou será que ela simplesmente foi levando e continua levando mesmo sem saber se é isso que quer?
Ahahah! Não tenho dúvidas que gosto muito do que faço. Quanto a poder ser a minha única profissão, acho que esse momento ainda está para vir. Até agora fui-me suportando financeiramente com outros trabalhos (e com a ajuda dos meus pais). Também fui aprendendo a alargar a minha visão do que é ser ilustradora. Eu achava que ia só ficar sentada a desenhar coisas e ser paga por isso. Descobri que me podia desdobrar em muito mais actividades – dar formação, autopublicar-me, ir vender a feiras… – e ainda bem, porque umas coisas alimentam as outras.
Fica a dica então, pela resposta, de que essa ilustradora cheia de trabalhos incríveis aceita trabalhos como freelancer, né, Joana?
Aceito. Alguém me manda um email com uma proposta e eu decido se quero fazer. A decisão do “se quero fazer” é sempre tomada tendo em conta um balanço de três coisas: tempo, dinheiro e interesse pessoal.
Como já deu para perceber, a Joana é muito disciplinada e ótima em fazer os seus trabalhos ao ocupar o papel de ilustradora, designer, diretora de arte e tudo junto. Assim sendo, a resposta da pergunta nível hard de qual é a sua obra preferida não poderia ter sido outra
Acho que o meu preferido é o Mana. Tanto pela história em si, como pelo facto de o ter feito sozinha, às vezes é tão difícil acabar um trabalho quando não tens ninguém do outro lado, nem datas de entrega nem expectativas para satisfazer.
Também AMO o Mana, só não tenho maturidade para escolher um e chamá-lo de favorito. Mas esse livro da Joana foi a obra vencedora do I Prémio Internacional de Serpa para Álbum Ilustrado (ou seja, imagina que é uma coisa bem básica, né… #ContemIronia). Mas sim, não dá para discordar disso sobre o trabalho individual, mesmo. Acaba que, por se envolver com o trabalho e se dedicar sem pensar no que os outros vão pensar, tudo flui de uma forma muito mais natural, né. Mas, para além de ser um trabalho, senta aqui e diz pra mim o que você mais gosta de fazer além de desenhar?
Ouvir podcasts sobre crimes. E passear. Sou uma idosa, portanto.
hahaha Uma idosa que usa as redes sociais de um jeito bem inteligente, hein? Como se dá essa interação do digital com o trabalho mais analógico/manual?
Acho que as redes sociais são uma boa forma de promover e divulgar trabalho. Tenho a impressão que muita gente que descobriu o que eu faço foi por aí.
Dito isto, a imagem que mais likes deve ter no meu facebook foi um desenho que fiz com 6 anos de um rato a fazer chichi. Há coisas que funcionam muito bem na internet e não são necessariamente as mesmas coisas que tu queres pôr num livro ou exposição, por isso uma coisa nunca substitui as outras.
Para além do Facebook, você pode encontrá-la no instagram, tumblr, no behance (vibes portfólio), no seu blog (conteúdo em inglês), ou nos eventos que ela organiza, chamados Drink & Draw Porto – onde você…hm…bebe e desenha (re re) com amigos, em dinâmicas bem agradáveis. Não precisa saber desenhar para ir, mas eu não me atrevo a ir porque né…as pessoas não são obrigadas. Além desses cantinhos onde você pode achar a Joana, vira e mexe ela está com a sua cabine photobooth de desenhos pelas feirinhas de ilustração que acontecem pela cidade. Ainda sobre isso, Joana, de onde surgiu a ideia de fazer o #3minuteportrait (desenhos das pessoas feitos em 3 minutos) na photobooth?
No início tinha feito uma máquina de desenhos em que as pessoas escreviam o que queriam num papel e eu tinha de desenhar. Já tinha visto uma coisa parecida há alguns anos na Feira Laica em Lisboa, não era uma ideia super original. Mas quando a experimentei com o público, num mercado, apercebi-me que funcionava melhor com miúdos, os adultos só me pediam retratos. Por isso mudei a ideia para retratos!
Não conseguiu achar a Joana por aí em nenhum desses cantos? Então tá, vou te contar que tem rolado uns workshops aqui por Portugal, mas e o que será que ela tem achado disso? Joana, como tem sido a receptividade das pessoas nas suas experiências em workshops ultimamente? Sair de um processo individual para algo mais coletivo, com pessoas que são variadas em mentes e estilos de criação…
Bem, quando dou o workshop também sou eu que tomo todas as decisões! Mas é bastante mais inesperado. Por muito que planeie há sempre coisas a ajustar enquanto dou a aula, porque as pessoas são todas diferentes. Os meus workshops são muito sobre ter ideias e aprender a contar histórias de uma forma visual, e é muito interessante quando vejo os alunos a responderem aos desafios com ideias completamente inesperadas para mim. Recentemente fiz pela primeira vez um workshop de bd com crianças e fiquei muito supreendida como todas as histórias acabavam em violência extrema e toda a gente morta.
Gente, mais amor pfvr! q q ta conteceno minsplica
Ainda dentro dessa ideia de que as pessoas são diferentes e criam diferentemente (graças a deus) – e que as crianças têm esse lado criativo menos contido, na maioria dos casos – é nítido que o seu trabalho tem bastante visibilidade perante o público infantil. Você pensou em criar ilustrações especificamente para esse público ou as coisas foram acontecendo naturalmente? Como é tratar de temas sérios como a sexualidade e identidade de gênero em um livro para crianças, como é o caso de Os Vestidos de Tiago?
Não muito, tanto que o meu estilo de desenho em livros para crianças e em livros para adultos é bastante semelhante, (a única diferença é que quando é para crianças uso mais cores ehehe).
Acho que género é um tema no qual os miúdos todos pensam, especialmente quando começam a ir para escola. Pelo menos eu sei que pensava nisso, que achava que os rapazes tinham um azar enorme porque as roupas que podiam usar eram muito menos variadas. Eu sempre me encaixei muito bem na caixa daquilo que é esperado de uma rapariga: gostava de barbies e de cor-de-rosa e de laçarotes. Mas gostar daquilo que está na caixa não quer dizer que não me apercebesse que a caixa existia.
Eu, particularmente, acho que é importantíssimo o seu trabalho de levantar tais questões e, principalmente, de falar em um nível que é de fácil compreensão para todos, mostrando como muitas vezes nós criamos problemas sociais e culturais em cima de cores associadas à gêneros que precisam ser mais e mais desconstruídos e repensados – e é isso que você faz, com maestria.
Mas o primeiro trabalho que comprei de você – onde nos conhecemos (hahaha) – foi o Map for Crying Travellers. Só um parênteses: a Joana é uma pessoa que tem muita dificuldade em lembrar dos rostos ou associar um nome ao rosto, né nom? E inclusive isso já virou postagem no seu blog.
Ahahah ópá, desculpa, eu sou realmente má com caras. Para tu veres, há gente que vem falar comigo porque eu os desenhei com a máquina de retratos e eu não os reconheço. E DESENHEI-LHES A CARA. :-O
Reprodução
Voltando ao Map for Crying Travellers… Eu estava em um momento “conhecendo os cantinhos da cidade” e fazendo trabalhos no mestrado que envolviam a criação de mapas e me identifiquei demais por se tratar de uma narrativa tão original. Na parte que toca ao meu interesse pessoal (amo e me envolvo com projetos relacionados aos mapas), você pretende fazer outros tipos de mapa? 🙂
Acho que era giro fazer um Map for Crying Travellers de outro sítio. Mas para isso tinha de encontrar alguém que o escrevesse para mim, porque é preciso conhecer bem os cantos escondidos da cidade. Lanço o desafio a quem estiver a ler isto.
Olha, já deixo aqui a proposta de fazer o mapa para Brasília, a capital do Brasil, aaaaand Amsterdam, porque nós escrevemos também de lá. Mas acho que um de Lisboa também ia bem, não? Seja onde for ou como for, já queremos um exemplar de qualquer coisa que tu tiver fazendo.
fã nº1 detected
Joana, queria muito te agradecer por ter contribuído com o Maracujá Roxo e por sempre responder aos meus e-mails e mensagens com tanto carinho e presteza. Juntas vamos mais longe! Beijinho em você!