Se você ainda não ouviu dizer que aos lisboetas chamam-se alfacinhas e aos portuenses, tripeiros, kirido(a), tá totalmente por fora. Foi escrevendo para a minha dissertação, que fala sobre a cidade do Porto que percebi que talvez esse tema fosse curioso de se abordar com vocês.
Comecemos pelo Porto…
Aos 21 anos, o Infante D. Henrique retorna para o Porto a pedido do seu pai D. João I, a fim de liderar construções para a conquista de Ceuta. E é aqui que a lenda e a história se diferenciam um pouco. Diz a lenda que, ao revelar tal intenção da conquista de Ceuta ao seu fiel encarregado das construções, mestre Vaz, o pediu maior empenho e sacrifício de seus homens para a nobre causa. Em resposta, mestre Vaz o respondeu que, assim como tinham feito há 30 anos na guerra de Castela, “dariam toda a carne da cidade e comeriam apenas as tripas”. E assim, comovido com tanto sacrifício, decidiu honrá-los com a alcunha de tripeiros.
Do lado da história, contado pelo doutor em Porto Germano Silva,
Durante vários meses foi intensa a azáfama junto à ribeira do Douro. Os caminhos e carreiros que condiziam à cidade andavam congestionados com carros, azémolas carregadas de panos para velas, mantimentos e armas trazidos por nobres que vinham para partir na aventura de Ceuta. Os celeiros e as tulhas de grandes e pequenas casas do porto e dos arrabaldes ficaram vazias. Carneiros, porcos, bois, muitos bois, foram mortos, esquartejados, salgados, metidos em barricas, ou caixas de madeira, feitas propositadamente para este efeito, e acomodadas nos porões dos barcos. Só as tripas, montes e montes de tripas, que não podiam embarcar, porque corriam o risco de rapidamente apodrecerem, ficaram.
Os portuenses, então, fizeram das tripas, coração e criaram um dos pratos referência da culinária portuense: as Tripas à moda do Porto, prato feito com carne, tripas, enchidos e feijão branco – assemelha-se à dobradinha brasileira.
Em Lisboa, a história é complicada…
Muitas são as migalhas espalhadas por aí sobre a origem do termo alfacinhas para designar os lisboetas. Tá aí uma coisa em que não há consenso sobre: uns dizem que advinha do fato de serem pacíficos e pequenos, outros ainda que era possível notar a presença de hortaliças nas suas sacadas. O consenso geral, pelo menos, é que o nome advém da hortaliça mesmo que por razões distintas.
Diz-se que a primeira menção ao termo surgiu com Almeida Garrett, em meados do século XIX, na sua obra Viagens na Minha Terra:
Pois ficareis alfacinhas para sempre, cuidando que todas as praças deste mundo são como a do Terreiro do Paço.
Apesar do nome vir de alface, o uso no diminutivo não só demonstra afeto, mas também depreciação, conforme afirma o Centro Nacional de Cultura:
É que provavelmente foram os moçárabes dos arrabaldes, a quem os lisboetas chamavam saloios (da palavra çaloio, que era o tributo pago pelos padeiros mouros de Lisboa), que devolveram o cumprimento, comparando os lisboetas a grilos pelo gosto das alfaces que cultivavam, comiam e encomendavam aos almocreves que pagavam os seus tributos nas portas de Benfica para entrarem na cidade.
E você, sabe de mais alguma versão da história dos alfacinhas ou tripeiros? Para ler mais algumas das especulações acerca do termo alfacinhas, clique aqui ou aqui.