Próximo capítulo: rumo ao desconhecido (e o que encontrei lá)

Ontem a noite, já com a cabeça no travesseiro, quando as luzes todas se apagaram, eu comecei a pensar sobre a vida e isso tudo. As gaivotas lá fora, mesmo no tarde da noite, começaram a fazer o seu som característico, daqueles onde parecem que estão rindo das nossas vidas. Naquele momento, como em alguns outros, eu sorri e só conseguia pensar que “as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”.

Sou uma pessoa muito apegada à literatura, então, sempre que lia poemas como a Canção do Exílio, ou músicas que falavam do Brasil vindas daqueles cantores exilados na época da ditadura. Sempre entendi aquela exaltação à pátria, mas não achava que talvez um dia fosse sentir algo parecido com isso. Se é pelas diferenças que construímos quem somos, é também a partir do momento que perdemos algo que passamos a dar valor a isso. Eu amo pássaros e acho que isso é sempre uma das primeiras coisas que me chama a atenção em uma cidade para qual eu vou – em qualquer momento, em qualquer viagem. Quando cheguei ao Porto, só percebia gaivotas e pombos e eu, que tinha acabado de tatuar uma gaivota por outras razões, entendi que só poderia ser aquele famigerado destino.

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O que menos pensei que fosse sentir falta seria do sol. Nunca gostei de praia, de tomar sol, nem nada do tipo, mas desde que cheguei ao Porto, parece que virei um calango. Se houver um dia de sol, em meio aos dias de chuva, lá estou eu fazendo a minha terapia de me perder pelas ruelas medievais da cidade e acabar sentada tomando solzinho no Jardim do Morro – observando, com as gaivotas, aquela luz sem igual que bate sobre a cidade e o Douro. Se você está por aqui e não costuma fazer isso, vai por mim, faz algum dia que não vai parar de ir.

Vinda de Brasília e nascida na terra do Sol, vivi muitos anos de praia e mais tantos outros ainda sem ela. Quando cheguei ao Porto, parece que o mar e eu criamos uma relação direta. Sempre que dá, lá vou eu no ônibus 500, desço em alguma praia para que aquela agitação ou energia que só o mar proporciona, leve de mim algumas coisas e traga outras. É, literalmente, enxergar o horizonte e imaginar que lá do outro lado tem tantas pessoas que te mandam tantas coisas boas e que fariam muito para tirar as ruins.

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Nunca pensei que fosse sentir falta de ouvir aquele jornal cheio de tragédias, VideoShow ou o Programa da Fátima. Nunca pensei que fosse sentir falta do Carnaval… Quer dizer, eu não sinto. Sinto falta de colher frutas nas árvores de Brasília, de ver os tucanos baterem na janela e de pegar a canga, sentar em qualquer gramado – que às vezes era só terra vermelha – e ler um livro embaixo de um ipê. Ah, de passear de carro com a minha amiga pela capital enquanto ouvíamos Legião Urbana também – um clássico e um clichê. Portugal é realmente um país fantástico e ao qual sou infinitamente grata – inclusive por terem tantos produtos brasileiros já difundidos -, mas meu coração é mesmo brasileiro – e cada vez mais ele tem certeza do grande país que somos, o quanto paga pelas mazelas que o assola e como perdura.

Outra coisa que pensava que sentiria menos seria a distância da família e amigos. No começo, tudo é novidade e o bichinho da saudade chega antes para uns do que para outros. Para quem fica, a saudade já começa antes mesmo de você ir; para quem vai, pode ser tanta novidade ou um atropelo de decisões, que a saudade, com a ajuda das tecnologias, pode demorar mais para bater. A partir do momento em que você começa a conhecer outras pessoas do Brasil e do mundo, meio que parece que você chegou em uma escola nova e tem que arranjar o seu grupinho, sabe? E, nesse meio do caminho, você vai encontrar todo o tipo de pessoas: aquelas que passam seis meses ou menos e ficarão para a sua vida inteira; os parceiros das baladas; os boy/mina lixo (que essa cultura é mesmo internacional); os que, apenas pela presença pesada, já parecem te puxar para baixo só de estarem no mesmo ambiente; os bróders que a gente pode estar na nossa pior versão, mas que são unha e carne; e é claro, o clássico das amizades que surgem por interesse. O que frustra um pouco, nesse processo, é que, nos teus 20 e poucos anos, você não espera ter que passar pelo casting de Mean Girls novamente. Você já passou por isso, não precisa, né. É… mais ou menos.

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As surpresas aparecem sem dizerem para o que vieram. É aquele momento em que seu amigo traz para a saída uma colega de outro país e você é forçada a falar inglês sendo que achava não saber nada – e percebe que “é, até que me comunico… o verbo to be que eu aprendi e reaprendi em todas as séries da primeira à ultima não foi tão inútil assim”; quando um amigo seu vem de Lisboa e decide passar no Porto para te ver e te traz tanto amor que você não sabe como lidar; é quando você vai à farmácia (ou algum lugar sem saber) e sofre um preconceito apenas por ser de onde é; é quando um familiar seu fica com alguma doença séria e seu coração fica do tamanho de uma uva passa porque você não tem nada o que fazer além de rezar e/ou enviar algum tipo de ajuda financeira; quando começam a valorizar o seu trabalho do nada; é quando encontra um(a) amigo(a) ou amor de um outro país e cultura que tem tudo a ver com você e vocês não separam mais; é quando o cano da sua casa estoura, começa a entrar água sem parar durante a noite de um final de semana e você não tem ninguém para te ajudar a resolver; é, se você for como eu, viver em uma novela mexicana, em que se anseia pelos próximos capítulos que a vida reserva – mas se ela quiser inserir uns de reencontro ou de paz, a gente tá sempre disposta.

Por mais dedicado(a) que você seja, esteja preparado para que aquilo que você faz não seja apreciado. Isso mexe muito com o nosso psicológico, ainda mais quando estamos sozinhos em outro lugar, sem o nosso exército é pesado, a gente tem o poder para dar aquele apoio moral. Começamos a nos questionar das nossas capacidades, tomamos raiva de umas coisas, realmente deixamos para lá outras. O exercício, independente de como você faça, deve sempre terminar com: ainda que todos desconfiem das suas capacidades ou de quem você seja – e que, em alguns momentos, façam com que você também desconfie – vá firme e não desista. Pensa no quão difícil foi para você chegar onde chegou (que talvez, se for como no meu caso, ninguém da sua família conseguiu chegar), no investimento que você e sua família fez em si e, principalmente, se estiver munido(a) de um celular e/ou computador, dá uma ligada para aquela pessoa especial que está no Brasil e que te conhece muito bem, conversa um pouco sobre o que você está passando. Só não duvida de quem você é e das suas capacidades, porque, cara, você está aqui sozinho(a)!

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É isso. Você está sozinho(a). Mas calma, isso não é ruim de forma alguma. Claro que tem os dias em que isso vai apertar, em que você vai sentir falta de um abraço específico; momentos em que todas as merdas do mundo parece que vão acontecer com você em um só dia e que você não vai conseguir sair – até porque, às vezes, um dia pode virar uma semana; momentos de carência e de dor. O que eu te aconselho nestes momentos? Sinta-os. Esses momentos fazem parte da pessoa que você está se tornando. Só, por mais difícil que pareça – e eu falo por mim-, não deixe que esse peso todo se aposse de você. Que silêncio todo é esse? A solidão vai gritar fazendo com que você conviva intensamente consigo mesmo(a). Seus medos vão gritar mais forte, os momentos bons às vezes terão de ser compartilhados apenas com você mesmo(a)e as suas conquistas – pequenas ou grandes – começarão a ter uma importância danada para você.

Por exemplo, há uns tempos fiquei doente e percebi que todos os diagnósticos que me davam eram sempre os mesmos e que ninguém parava para olhar o que eu realmente tinha, mas eu sabia, dentro de mim, que não era aquilo que diziam. Mas quem sou eu, para além da dona do meu corpo, né? Sofri bastante durante esse momento sem saber muito como resolver e, passando por outras questões ao mesmo tempo, foi complicado. Foi ao passar por uma experiência física que o click de uma experiência psicológica me ocorreu: mesmo que ninguém acredite em você, você acredita. E isso basta. Transpondo para outros âmbitos: você não tem que se fazer interessante para os outros só porque está migrando, não tem que se desdobrar para que te aceitem e, sim, precisa ter noção (mesmo que embaçada) de quem você é e dos seus valores. Muita gente vai tentar te derrubar, muito vento vai bater tentando de levar. Resista. Respira fundo e continua. O que costumo pensar é que isso tudo que estamos vivendo durante o intercâmbio é um casulo quentinho para a linda borboleta que em breve estará por aí.

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?

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