Natal e o período de festas de fim de ano normalmente são bastante nostálgicos, ainda mais quando você se depara em um país novo, onde a sua família no máximo está perto de você a um telefonema ou chamada de vídeo. Nesse tempo que estou aqui em Portugal, não tinha passado ainda nenhum Natal, porque no ano passado, quem acompanhava o blog, viu que eu e a Cibele estávamos juntas lá em Amsterdam. Mas desta vez foi diferente.
Imprevistos acontecem e, como tem sido da ordem do dia, a gente aprende a se virar. O Natal foi ressignificado dentro de mim e talvez, mais do que antes, tivesse feito sentido a ideia de um real nascimento. Os planos se alteraram mil vezes: passa o natal com alguém = encomendas de comida, “talvez possa criar uma tradição da minha própria casa #EikeAdulta”; passa sozinha = “não tem problema nenhum em passar o natal sozinha, talvez até fosse legal por ser o meu primeiro sozinha”; passar na casa de colegas portugueses = “ai, mas nem tenho tanta intimidade assim”; passar o natal na casa da sua amiga portuguesa = “medo e acho que preferia ficar só, mas ela vai ficar triste de eu estar só, então bora!”.
E assim foi. Naquele dia eu estava meio para baixo e, meio que de forma completamente indefinida e impulsiva, a liguei dizendo que passaria sim com ela esse período. Após marcarmos como que faríamos com toda a dinâmica, arrumei a minha mochila com todo o aparato vegano pra eu comer na ceia caso desse ruim (quem é, me entende) e “bora para Campanhã pegar um Comboio para Barcelos”.
O Comboio, com destino à Valença, partia logo. Eu, que até então só tinha andado de trem até Lisboa (alfapendular) ou para regiões próximas nos comboios urbanos, não sabia o que era um trem Intercidades. Quando o trem chegou, me senti indo para Hogwarts (acho que minha amiga vai pirar quando ler essa parte). O trem tinha escadinha, tinha aquela distância e tudo da plataforma. #MeninaDaRoçaNuncaAndouDeTrem #MeDeixa
Fascinada ainda com aquilo tudo e parecendo uma árvore de Natal de tanta coisa pendurada, na hora de entrar eu fiquei sem entender nada sobre primeira e segunda classe ou essas frescuras todas. Na verdade, era tudo farinha do mesmo saco. Podia sentar onde quisesse. Entrei e, quando o trem partiu, fiquei conversando no aplicativo com a minha amiga sobre as paragens, os cenários e tudo. Fiz aquele stories para a família saber que eu estava viva e ouvi áudios da minha mãe em que ela dizia o que haveria para a ceia na minha casa no Brasil. Parecia que era nostalgia misturada com saudade, misturada ainda com a vontade de ter um abraço apertado e um ou dois tapinha nas costas. É, amigos, as escolhas da nossa vida sempre vêm com renúncias e também cabe a nós pensarmos que nós escolhemos aquela situação por algo maior e que aquilo vai valer a pena.
Sempre fui curiosa para conhecer Barcelos. A minha amiga sempre falava de lá e eu sabia que o Galo de Barcelos, que muitas vezes só sabemos que é um símbolo de Portugal, era original de lá. Eu sabia algumas coisas sobre a cidade, mas não tinha ideia de como ela era. Ao chegar, minha amiga foi me buscar na estação, deixamos as coisas na casa dela. Ao conhecer a família dela, que até então eu só conhecia de mandar beijo pelo telefone, me senti mesmo em casa. Timidez à parte de pessoas que não se conhecem ainda, acho que foi muito bom sentir novamente que eu estava sendo acolhida. O sentimento foi mesmo interessante e difícil de por em palavras. Depois de deixarmos as coisas e eu almoçar algo, fomos conhecer a cidade.
Barcelos é mesmo uma gracinha. Com maioria de prédios e beeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem mais plana do que o Porto, foi uma cidade em que senti as pessoas bem queridas. Não sei se pela época natalina (natalícia, como eles dizem) ou se porque realmente são assim – acho que a última opção. Para nós, pessoas que temos dimensões bem distintas de cidades, mesmo que a gente vá mostrar uma cidade de interior, é raro a gente conseguir mostrar tudo da cidade em poucas horas. Em um intervalo de 2 horas, já tínhamos visto tudo – com tempo e tranquilidade, parando para tirar fotos inclusive. A minha sugestão é: vá para Barcelos. Conheça, pelo menos. Lá é muito amor.
No dia seguinte, dia da noite de Natal, o pai dela nos levou para Esposende e tomamos café em um bar à beira da praia, onde já tínhamos estado em uma roadtrip com outras amigas. Metáforas inclusas, foi bem interessante ver aquele mar revolto e retraído, em um dia frio e com sol. No caminho de volta para casa, foi interessante ver os produtores locais vendendo, à beira das estradas, as couves, batatas, cebolas, entre outros que muitas vezes tinham sido colhidas nas plantações ali do lado. Esse contato com o local que tanto me encanta.
Depois, juntamos as nossas coisas e fomos para a casa do avô da minha amiga. Todos já sabiam que eu estaria presente e foi bem engraçado o jeito com que me recebiam. Me senti em casa. Eu, que venho de um núcleo familiar pequeno (eu, irmão e pais), estava encontrando uma família mesmo muito grande, com muitas gerações distintas e acho que isso foi muito agradável. Lá pelas tantas, depois que chegamos à casa do avô dela e conheci os tios, primos e avô, tava na hora de colocar a mão na massa. Foi então a hora de mover as mesas gigantes, colocar pratos e talheres. Depois disso, o pai da minha amiga chegou com sacos de batata e umas couves gigantes e lindas que tinham tamanho maior do que a minha cabeça. As couves couberam à tia e mãe da minha miga limparem para cozinharem e as batatas, nós descascamos.
A cena foi fantástica: nós duas, sentadas com facas, descascando batatas e elas duas, em pé, cortando e lavando couves. Conversávamos sobre a vida, sobre o meu tipo de natal e os natais passados deles. Parecia que o frio da água gelada e as mãos que ficavam escuras ainda pela sujeira de terra das cascas marcaram a minha memória. Daquelas coisas que se pensa “como eu queria ter fotografado isso”.
Trabalho feito. Sol se pondo. Hora de ir para dentro de casa e cozinhar. “Mas ei, vem cá que a gente tem que fazer a tradição da Banana com Moscatel!” SAY WHAAAAT? Como é? Banana com Moscatel? Conta mais… Sim, é que os bracarences (quem é de Braga), costuma dizer “comer uma banana e beber um banano” logo algumas horinhas antes da ceia de Natal. Isso começou na Rua do Souto, na Casa das Bananas e é conhecido como Bananeiro. Curioso, né?
Reprodução | Jornal dos Sabores
As bananas tão meio verdes, mas vamo nessa. Comemos e tomamos. Olha, e não é que é ok? Parece aquelas sobremesas de velho que a gente ia na casa da avó, via o bolo lindo e descobria que tinha Rum na massa, sabe? hahah Desse tipo. “Pai, tá bom de acender a lareira né?” GENTE. Para. Apenas parem. Lareira? Eu nasci no Nordeste e depois fui pra Brasília, apesar de ter passado pelo sul em épocas de frio, as lareiras com as quais tive contato estavam sempre desligadas ou eram de museus. Eu ia vivenciar o momento lareira à lenha no natal, é isso mesmo, produção? E cadê a neve, o papai noel da Coca-Cola e musiquinha? Só isso que falta.
Em um lance geral, o que acontecia nesse momento era o que eu acho que acontece em casas com família grande: umas crianças no computador, outras com jogos de tabuleiro, os mais velhos perto da tv ou tirando um cochilo para aguentar a noite, os proativos e as tias na cozinha e uns tios enchendo a cara e fazendo piadas do “pavê ou pá comê” – nesse caso em versão tuga. Os doces iam chegando e havia uma mesa inteira com uns 8 lugares só para as sobremesas. Era rabanada normal, rabanada de cenoura, rabanada de vinho, pudim de pão, aletria, Bolo Rei, Bolo Rainha, pão de ló de Ovar, mexido, bolos e aquela tão esquecida – porém sempre feita – salada de frutas. Fomos ficando com fome e também, como a cozinha e a parte do jantar eram em um ambiente só, o cheirinho já estava no ar.
Então, hora de comer, chama todo mundo para a mesa! Depois de todos sentados e nós já levemente alcoolizadas de vinho verde e moscatel com banana (#Tradições), as meninas começaram a andar com uma panela enorme e uma concha, servindo os pratos meio fundos com azeite e cebola, em uma espécie aromatizada. O cheiro estava fantástico. Enquanto isso, as tias iam colocando o bacalhau, com as batatas e couves, secas em pratos para que cada um retirasse como quisesse. E tinha broa caseira (que conquistou o meu coração para sempre) para acompanhar. Achei interessante, porque na minha casa isso tudo sempre já era servido dentro de uma só vasilha – e muitas vezes acompanhava arroz. Aqui não, era “só” isso. Era comida para alimentar um batalhão pós-guerra, deserto e catástrofes.
Depois do momento confraternização com todos ao redor da comida (prato principal e sobremesa), que foi bem interessante, começou a hora de nos divertirmos um pouco até a hora da missa do Galo. Então, alguém deu a ideia de colocar uma música para cantarmos no estilo karaokê no Youtube. Pega lá o computador. Eita, que cena mais divertida: todos cantando com toda a voz, uns fazendo a segunda voz, outros fazendo os agudos ou graves e, enfim, sem julgamentos, sabe? Às vezes eram músicas brasileiras que eles cantavam com sotaque tuga e às vezes eram clássicos portugueses – que até hoje, quando eu ouço nos momentos mais aleatórios, me remetem a esse momento feliz. Depois de um bom tempo nesse esquema karaokê, nós passamos para o momento mímica e foi muito engraçado porque todo mundo já estava meio alterado pelo álcool, então, principalmente quando os mais velhos participavam, era muito engraçado. Depois disso, estava bem perto da meia noite, houve a troca de presentes antecipada para que uma parte da família fosse à igreja assistir à Missa do Galo. A missa do Galo, na minha família, era, no máximo, assistida durante alguns minutos na televisão da sala. Achei interessante.
Acredita que ganhei presentes? Eu realmente fiquei completamente sem jeito porque todo aquele momento já tinha sido um presente impagável na minha vida e, para além disso, ainda tinham me dado presentes. Não pude acreditar. Sou mesmo muito grata.
Depois de um longo texto, para os que ficaram até o fim (parabéns!), acho que a minha intenção ao escrever esse texto, para além de compartilhar um pouco de quão diferente foi esse Natal é mesmo dizer que, às vezes a gente se sente sozinho e pode estar sofrendo muito por uma série de fatores, mas, talvez se você se abrir para outra pessoa, uma série de coisas boas podem decorrer disso. A felicidade daquele dia minimizou o que eu estava sentindo e me fez perceber o quão querida eu era e o tanto de empatia que tinha ao meu redor, mesmo eu sendo uma completa estranha para muitos ali. Permitam-se viver o diferente e o novo. Saiam do lugar de conforto, ainda que seja difícil. E quando as coisas parecerem difíceis, compartilha com alguém próximo ou de confiança. Talvez essa pessoa possa te ajudar e a sua solidão ou o seu momento complicado que gera uma angústia ou aperto se transforme em memórias lindas, assim como aconteceu com o meu primeiro natal em Portugal.