Julia Roberts mentiu para você. Javier Bardem não está à tua espera no fim do arco-íris como se fosse um lindo, sexy e maravilhoso pote de ouro latino. Se você assistiu ao filme Comer, Rezar e Amar sabe do que estou falando. A protagonista perdeu o apetite pela vida graças à falta de tempero do casamento. Divorciada, ela resolve viajar para retomar o desejo de devorar o mundo, mas será que na vida real ela não se jogaria nos apps de paquera?
Na ficção, não há indigestão. Ela tem orgasmos gastronômicos na Itália, encontra-se com Deus em Bali e, finalmente, o amor aparece em forma de um brasileiro sensível, fã de Bossa Nova e que demonstra seus sentimentos. Vou contar uma versão diferente dessa história na qual a “mocinha” é uma divorciada meio maluca, que decide se mudar para o Porto e se refazer após dar um reset na própria vida. Meu nome é Leilane Menezes, sou de Brasília e moro no Porto há 8 meses. Os amigos me chamam de Leide. Sou jornalista, solteira e tenho 32 anos. Me juntei ao time do Maracujá para dividir umas experiências meio diferentes com vocês. Aí vai um spoiler sobre a vida solteira por essas bandas: o cenário às vezes está mais para mundo invertido do Stranger Things do que Comer, Rezar e Amar.
Há 8 meses desembarquei no Porto com duas malas, um coração partido e dois apps muito úteis nos dias frios, chuvosos e solitários, ainda que fosse só para matar o tempo, quase sempre: Tinder e Happn. Logo me falaram de um tal de Bumble, que estava bombando por aqui. Vamos às impressões que vieram da minha experiência completamente pessoal e única, baseada no meu filtro nos apps de paquera: pessoas entre 27 e 40 anos. Vou contar pra vocês o que encontrei usando esses apps no Porto:
O que procuras nos apps de paquera?
No Tinder você pode encontrar muita gente à procura de sexo com zero conexão afetiva. Entre todos os apps de paquera, esse parece ser o mais usado como menu de relações casuais, raramente vi alguém em busca de um date que incluísse cerveja no barzinho, um cineminha ou jantar. No resto do mundo é assim? Não sei. No Brasil eu ouvia menos a fatídica pergunta: o que você procura por aqui? Como sinônimo de quem quer dizer: eu só quero transar, sem jantar.
Jesse e Celine 2.0
O Tinder no Porto também está cheio de turistas – foi assim que acabei completamente apaixonada por um iraniano que mora na Suécia. É uma boa chance para dar aquela volta ao mundo, explorar novas culturas, sem sair do lugar. Tem sempre o risco de acabar em uma relação à distância. Para quem esperava um Comer, Rezar e Amar pode acabar rolando uma versão da trilogia Antes do Amanhecer (Before Sunrise).
Casal procura “amiga”
O Tinder também está lotado de casais em busca de sexo a três. Cabe a você avaliar se acha que é gente demais no rolê ou Deus me livre, mas quem me dera. Já recebi até convite para viver em uma comunidade poliamorosa naturista, algo que eu nem desconfiava haver no Porto.
Sobre diversidade, na minha visão, em todos esses apps de paquera, aqui no Porto, há poucas mulheres lésbicas ou bissexuais. Se você é uma mina bissexual, como eu, e colocar o filtro para ambos os sexos talvez não veja tanta gente. Conversando com uma amiga lésbica portuguesa, ela me disse que tem a mesma impressão e que se incomoda quando é tratada como fetiche por pessoas hétero nesses ambientes virtuais.
Cinco cafezinhos, placar 0 x 0
O Happn e o Tinder são apps de paquera muito parecidos, mas o primeiro pode ser interessante para achar quem vive perto de você, já que ele filtra as sugestões baseado em quem passou pelo mesmo caminho e aponta quantas vezes você cruzou com aquela pessoa. Ali, de vez em quando, algum tuga vai te chamar para tomar café. Sim, a regra dos cinco cafés é real: a pessoa te convida para um café e é um café mesmo. Não rola nada depois.
Nada de ir pro barzinho, beber cerveja de litrão e terminar a noite agarrada no gajo. Beijo mesmo só lá para o quinto encontro e olhe lá. É claro que toda regra tem exceção, mas muitas amigas dão o mesmo depoimento, então acontece mesmo. As pessoas por aqui, em geral, parecem ser mais reservadas que no Brasil e esse app talvez seja mais propício para dates que envolvam conversas, passeios e cafeína.
Existe inclusive uma pesquisa sobre o comportamento dos portugueses em app de relacionamento. A investigação de Rita Sepúlveda debruçou-se sobre os padrões visuais e textuais dos perfis dos portugueses no Tinder. “Somos reservados e de poucas palavras”, concluiu a pesquisadora. Você pode ler mais sobre o estudo aqui.
Apps de paquera para abelhas rainhas?
Confesso que não gostei do tal do Bumble. Ele tem a fama de ser o app mais usado por pessoas que estão abertas a relacionamentos menos, digamos, líquidos. Também foi vendido como um app feminista e o nome faz referência a abelha rainha.
Ele traz mais informações pessoais e sugere algumas soluções para puxar assunto, como por exemplo perguntar com quem você jantaria se pudesse escolher qualquer pessoa no mundo. Se o match é entre heterossexuais, somente a mulher pode começar a conversa após a combinação.
Assim, teoricamente, ficaríamos mais protegidas das conversas sexistas e desagradáveis que bem conhecemos. A meu ver, não há vantagem em ser a única a poder puxar papo, é só trabalho extra. Afinal, se dei o match é porque quero conversar. Baixei o app e nunca fui uma usuária muito ativa, logo cancelei.
Dicas bônus: não é só de apps de paquera que se vive
Recentemente, descobri também que o Couchsurfing tem sido muito usado para paquerar e fazer amigos em viagens. Calma! Não é que você vá pagar para usar o sofá de alguém e levará um crush de brinde. É que o app tem uma seção que permite interação entre usuários e eles combinam de se encontrar para algum passeio ou festinha.
Um app que também não tem a função original de namoro, mas pode te levar a conhecer pessoas interessantes, mesmo que você busque apenas companhia, é o Meetup. O serviço é usado para organizar grupos on-line que hospedam eventos presenciais para pessoas com interesses semelhantes. No Porto existem, por exemplo, grupos para Garotos e garotas que gostam de cerveja, comunidades LGBTI e vários para intercâmbio cultural para reunir quem quer bater papo em outras línguas.
Aproveitando o momento dicas, vou recomendar outros dois posts da Camila aqui no Maracujá Roxo, onde ela refletiu sobre ser mulher viajando sozinha por esse mundão, e também indiciou 5 aplicativos paras as viajantes.
“Posso pegar no seu cabelo?”
As diferenças culturais podem pesar na hora de usar os apps de paquera aqui em Portugal. Entender o senso de humor local nem sempre é fácil. Eu mesma já me desentendi em date com português que fez piada sobre a minha roupa e meu sotaque. Difícil saber o que é só mal entendido e o que é preconceito. Uma amiga já ouviu de um cidadão que “brasileira tem sotaque de puta”, o que não justifica generalizar esse tipo de comportamento.
Compreender a dinâmica das relações de gênero e raciais pode ser bem desafiador. Não raramente caras desconhecidos pedem para tocar no meu cabelo na rua e me tratam como um ser exótico – eu sou uma mulher negra e de cabelo crespo, volumoso. Já escutei de outras minas negras que vivem por aqui relatos de racismo e machismo. A discussão é complexa, delicada e séria, e isso com certeza merece ser pauta em um próximo post.